sábado, 25 de junho de 2011

“Um Olhar Que Não Te Atravesse” – Stella Florence



É domingo. Você está enterrada até as orelhas sob cobertores, TV ligada numa luta de boxe qualquer que te hipnotiza com sua simetria de golpes. Então, o celular toca. Número desconhecido. Quem é? Sou eu. Ah, você odeia quando a coisa começa assim. Mas ele se identifica logo, conseguiu seu celular com um amigo.

Lembra de mim? Flashes de um homem de sobrancelhas loiras se espreguiçando devagar como um cão grande. E você adora grandes cães, com muito pelo, muita saliva, um grunhido rouco que significa “me coça” e uma maneira desajeitada de se jogar em cima de você. Sim, faz tempo, mas você se lembra dele. E em meia hora de conversa, sim, você gostaria de vê-lo agora. E nesse agora não há ansiedade, nenhuma ansiedade. No meio da conversa, ele pergunta:

– O que você quer?

– Um abraço. – você responde.

E é verdade. Você não quer muito mais do que isso. Um abraço e um olhar que não te atravesse, alguém que olhe dentro dos seus olhos e veja você, não o reflexo de si mesmo.

No carro, você pensa que todos os homens que passaram pela sua vida ultimamente só retiraram, cada um e todos eles, um naco da sua energia. Então, ao voltar para casa, você se percebe mais triste e mais sozinha e mais vazia e mais seca do que quando havia saído. Eles lanham seu rosto com a barba malfeita enquanto sugam o que você tem de mais precioso. Os homens te enfraquecem. Por que hoje seria diferente?

Ele te leva para o apartamento dele, te mostra sua vista do décimo quarto andar e encosta o peito em você. Apenas encosta. O suficiente para o cheiro dele subir direto para sua cabeça como uma longa tragada de baseado.

Mais tarde, você vai até o banheiro se lavar e tem a sensação de que aquela casa é acolhedora e quente. No corredor, você se agacha em frente a ele: Crow, o cachorro daquele homem. Grande e dourado, pêlos como fibra de ouro grudando na sua calça preta e aqueles redondos, densos e inocentes olhos castanhos. É ele quem acolhe as pessoas e esquenta a casa. É ele quem se aproxima e é ele quem te lança um olhar de reconhecimento, um olhar que não te atravessa, aquele olhar que você estava procurando. Com curiosidade e sem qualquer defesa. Ele é pura doação. Não importa quem você é, se sua barriga é flácida ou se sua garganta segura um choro doído há meses, não importa se sua maquiagem borrou e te deixou com imensas olheiras ou se você está menstruada: Crow te acolhe. Só com os olhos, ele te acolhe.

O homem te leva para casa e você se sente numa cena de “Lost in translation”: você, uma Scarlett Johansson no Japão, enquanto Bill Murray dorme no carro e a noite está agradável. Então você se lembra dele, dos seus enormes olhos que te devassaram num segundo. Crow. Pensando bem, você gostaria de chorar.

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